27 junho 2008

O que implica a nossa existência

(Nesta mensagem excedi-me mais do que o costume, também já havia algum tempo sem falar muito, mas senti que era altura de partilhar convosco experiências e pensamentos, que vos poderão ser úteis. Eu sei que sou chato, mas desta feita, acho que vale a pena, espero que os corajosos não discordem.)

O nosso bem estar no mundo dito moderno já implica por si mortes no resto do mundo.

Se todos tivéssemos o mesmo nível de vida, eram necessários vários planetas, e como tal deixa-se viver na miséria, deixa-se morrer muita gente mundo fora que efectivamente poderíamos salvar.

Mas não se pode, porque se o fizermos, teríamos de repensar tudo e muito provavelmente teríamos de baixar o nosso nível de vida. E como tal não fazemos nada, vê-mos na tv a miséria e ficamos revoltados por ninguém fazer nada, mas depois continuamos com a nossa vidinha como se não tivéssemos nada a ver com isso. Esse é o problema, todos nós temos muito a ver.

Por exemplo, no meu caso, tratar o meu cancro, permitira salvar centenas ou mesmo dezenas de milhar de crianças em África. Quando nos lembramos destes factos, pensamos em que raio de mundo vivemos? Por exemplo, quantas campanhas dizem que basta 1€ para salvar uma vida com uma vacina. Claro que muitas vezes esse euro é necessário para salvar no momento, mas depois existem os dias seguintes. Seja como for é um tratamento tal como o do meu cancro, eu também terei um amanhã para sobreviver, se sobreviver.

Só um medicamento que tomo por causa dos vómitos e outros efeitos secundários causados pela quimioterapia custam 126,37€ por sessão, deverei ter umas 12, como tal 1514,44€, só aí vão-se 1514 vidas. Mas os custos reais de um tratamento de cancro, segundo ouvi podem ascender a 100 000€ ou mesmo 200 000€. 100 ou 200 mil vidas?

O que eu penso é simples, já que o meu viver implica mortes de inocentes, porque efectivamente a verdade nua e crua é essa, ao menos enquanto eu viver, vou-me esforçar ao máximo por lutar por ajudar as pessoas que poder e por continuar a trabalhar com ideais na cabeça, a lutar por coisas que pessoas dizem ser sonhos, mas que na realidade as sinto como obrigações.

Não foi uma escolha que fiz, nasci neste mundo, sou fruto da educação que tenho, da inteligência que tenho, do sentido de responsabilidade que tenho.

Agora se vou viver para o resto da minha vida, num mundo moderno egoísta hipócrita invejoso, que apenas quer saber de dinheiro, borgas, sexo, grandes carros, grandes luxos, lixar os outros nem que seja só porque sim. Como se vê na especulação com os alimentos, nada é respeitado. Ou na luta contra as doenças em que as farmacêuticas descobriram lucram muito mais com os medicamentos que cuidam dos sintomas, do que com os que curam. Obrigando as universidades ou institutos a descobrir as curas, porque isso não lhes interessa investigar. Ou deixam morrer pessoas com doenças aos milhares em África, porque não podem pagar os seus preços elevados, recentemente viram-se obrigados a mudar de atitude neste aspecto devido às proporções atingidas e a países, nomeadamente o Brasil que começou a produzir a baixo custo, sem lhes pagar um tostão.

Não me posso sentir perseguido, ou um mártir, porque este mundo subsiste à conta de muita miséria e muitas mortes, eu sou apenas um que luto contra isso, e como tal não sou bem vindo porque a mudança assusta as pessoas.

E não pensem que são os outros que fazem isso, todos fazemos quando colocam o nosso dinheiro no banco e perguntamos qual o fundo mais rentável para investir, e nesse momento a preocupação de todos é unicamente fazer mais uns trocos, o que implica, nem pensamos. Nem sabemos onde investe o fundo onde o vamos colocar.

Por exemplo, a grande maioria das pessoas que conheço tem grandes sonhos para as suas vidas, muitas delas até têm boas hipóteses de os conseguir atingir. A grande maioria nem sequer tenta, arranja todas as desculpas e mais algumas, ou porque chegam cansados a casa ou porque têm muitas despesas ou por isto ou por aquilo.

Outros tentam, mas sabotam os seus sonhos, num caso por exemplo, o empresário em questão apesar de ter excelentes ideias, ao chegar a empresário tornou-se extremamente preguiçoso, tentando empurrar tudo para os outros fazerem e só fazia qualquer coisa quando efectivamente era pressionado, e muitas vezes recusava por estar ocupado a jogar computador. Tive muita pena deste caso, porque efectivamente era uma pessoa com um grande potencial, porque tinha ideias que a princípio me pareciam aberrações, mas que depois de estudadas eram de facto excelentes ideia. Por sistema eu dou sempre o benefício da dúvida e foi por isso, que se conseguiu perceber que eram excelentes ideias. Algumas desconfio que ele as mandava para o ar para ver se se auto-descredibiliza, mas tinha azar. Tive muita pena porque era uma pessoa com um potencial muito grande. Mas eu não acredito que ele tivesse feito de propósito.

Tal como a maior parte das pessoas não o faz de propósito, são traições que o nosso inconsciente nos faz, normalmente por coisas que nem a nós próprios admitimos, medos, traumas de infância, humilhações que passámos ao longo da vida, pessoas que nos manipulam ou nos sugestionam ou simplesmente nos controlam através de laços afectivos.

E depois para nos sentirmos bem, convencemos-nos de que a culpa não é nossa, como tal é sempre dos outros, muitas vezes daqueles que nos estão a tentar ajudar. São mentiras que contamos a nós próprios para nos sentirmos bem. O problema é que depois acreditamos nelas e acabamos por ser injustos com essas pessoas e descarregamos nelas a culpa que elas não têm, gerando ainda mais problemas.

Quantas vezes dizemos ou fazemos o que não queremos? E muitas vezes não sabemos porque o dissemos ou fizemos. Por exemplo quando sabíamos a matéria toda e chumbámos no exame sem qualquer motivo óbvio, em fim, tantas situações que todos já passámos. São situações em que o nosso inconsciente devia levar umas lambadas.

O que eu faço, assim como alguns amigos meus que já perceberam que as coisas são mesmo assim, é ter o inconsciente sempre debaixo de olho, e ter sempre em aberto a possibilidade de que quando vamos fazer alguma coisa de que o inconsciente poderá ir-nos lixar sem nós percebermos.

Por isso antes, devemos nos mentalizar, falar com ele, dar-lhe ordens motivá-lo, o que estamos a fazer não é mais do que tentar dar-lhe informação para ele reagir correctamente, o facto de ele ir obedecer ou não tem a ver com muito do que lá vai dentro que não admitimos, quanto mais admitirmos e pusermos em causa o que poderá ser, mais perto de ele nos obedecer ficamos.

Quando falhamos ou alguma coisa está mal, temos de analisar os factores externos todos e ver onde também errámos, onde poderá estar a culpa do nosso inconsciente, o que ele podia ter feito melhor, e mesmo que o inconsciente esteja inocente não faz mal dar-lhe umas lambadas, porque apenas vai servir para reforçar o que ele já sabe, se ele for culpado vai servir para ele des-reforçar os motivos que levaram a essa situação.

Ou seja, mesmo em caso de dúvida, umas lambadas no inconsciente é sempre uma boa ideia.

Para quem não acredita nada destas coisas, sugiro que falem com praticantes de artes marciais em que existe quebra de objectos, por exemplo madeira.

Se o inconsciente decidir que vai partir, o movimento da mão, por exemplo, tem um ponto de chegada que é depois da madeira, a madeira é tida como um obstáculo e a penetração planeada.

Se o inconsciente decidir que não vai partir, o ponto de chegada passa a ser a madeira, toda a força vai ser usada para bater de frente na madeira e não para a penetrar, se for usada força suficiente, a probabilidade de partir a mão existe e é muito elevada. O que por vezes acontece porque quando falham as quebras por este motivo os praticantes aumentam a força com que atingem a madeira.

Assisti num exame de taekwondo precisamente a esta situação, um aluno a fazer um exame para um cinto já bastante graduado, castanho ou talvez já mesmo preto, não tenho a certeza.
Por qualquer motivo o aluno entrou nesse ciclo, talvez por ser um exame muito importante, obrigando o instrutor a intervir antes que ele se magoasse a sério, e disse-lhe que apenas o deixava tentar mais uma vez, ralhou com ele, porque ele andava a bater na tábua e não estava a tentar partir a tábua. O aluno arriscava-se de facto a chumbar no exame, ele não sabia, mas mesmo nesta situação ele controlou-se e empregando menos força partiu a tábua.

Há milhares de anos que os orientais sabem disto, como tal não é novidade nenhuma.

É verdade que em Portugal a mentalidade é anti fazer alguma coisa, é anti empreendedorismo, é anti ajudar alguém que precise, etc. Também é verdade que ao tentar enfrentar isso tenho levada muita porrada, mas a verdade é que a grande maioria de vocês sempre tiveram melhores condições para lutar que eu, mas não ousaram.

E simplesmente estou a falar de sonhos, e não têm nenhum sentido de responsabilidade de quando morrerem deixarem este mundo um pouco melhor, de ao menos terem tentado?

Pois é, eu agora à conta do meu cancro, aprendi umas coisas novas. E vou partilhar convosco porque pode ser que sirva para alguma coisa.

Eu antes de ser internado no hospital andei meses muito pior do que ando agora, mesmo agora depois de ter levado quimioterapia à dois dias, dizem que ter sido a primeira ajuda.

No hospital, fiquei debilitado por causa de uma séria privação de sono e de movimentos, apesar de ter estado internado apenas 11 noites, quando saí de lá todo o mundo era estranho para mim, sentia-me um astronauta num planeta estranho novo, e honestamente as pessoas assustavam-me. Sim saí de lá um bocado baralhado.

É normal, aconteceu ao meu colega de quarto e lamento não ter avisado os familiares antes da alta dele, porque ele esteve mais tempo internado do que eu, sofreu bastante com isso e os familiares não o poderam confortar que era normal. Ele não disse nada a ninguém e possivelmente terá-se sentido a perder as suas faculdades.

Note-se que já ouvi histórias que chegam 8 noites em certas condições. para levar uma pessoa à loucura, por isso, a privação de sono é mesmo uma coisa muito séria. Eu não estive nessas condições felizmente, nem perdi a noção da realidade, apenas me desliguei do mundo exterior devido ao ambiente redutor do hospital.

No início de vir do hospital, nos primeiros dias era capaz de ficar horas para me levantar para mudar de canal, mesmo estando a ver coisas que me irritavam bastante. Mas depois comecei a reagir, comecei a estudar e a planear o que deveria fazer para estar o melhor possível para quando começasse a quimioterapia.

O meu objectivo era pelo menos conseguir ficar como estava antes de ser internado no hospital, comprei uma bicicleta elíptica para treinar em casa, visto que até nem me convem muito andar por aí a passear especialmente agora depois da quimioterapia que me enfraquece o sistema imunitário.

Melhorei em muito a minha alimentação, graças à ajuda da minha Célia e dos meus pais, principalmente da Célia que tem perdido longas horas na cozinha e me obriga a comer quando não tenho apetite (às vezes acontece causado pelo cancro ou pela quimioterapia). Os meus pais fazem questão de me encher o frigorífico e como sabem que não gosto de estragar comida, obrigam-me assim a comer, outras técnicas.

Nem tudo foram rosas, por exemplo a Célia está em altura de exames e passou muitas noites mal dormidas por causa de mim, a baixar-me a febre, etc. Até na noite em que no dia seguinte ela tinha dois exames, ela esteve do meu lado e quase não dormiu nada. Obviamente que a prejudiquei em muito numa altura em que ela tem de mostrar o que aprendeu e trabalhou ao longo de todo um semestre.

Estou a apenas a dizer isto, para terem a noção de que efectivamente esta doença é séria e tem implicado grandes sacrifícios a quem me tem ajudado (nuns casos mais do que noutros) e que não é uma coisa sem importância.

Mas tenho lutado muito contra ela, e consegui ficar e sentir-me melhor do que me sentia antes de ser internado, talvez porque o meu inconsciente andava em baixo devido à minha situação pessoal e profissional. Eu sei que os motivos eram válidos. Mas mandei-lhe umas boas lambadas e foquei-o no mais importante, quer eu sobreviva ou não, existem duas coisas que são muito importantes para mim.

Dizem que quando sentimos a morte perto, ou pelo menos a possibilidade disso, que a nossa maneira de ver o mundo muda, para mim não mudou, apenas me sublinhou ainda mais o que é efectivamente importante, deu-me mais força, e um sentido de urgência, porque se agora é difícil liderar um projecto destes mesmo com o apoio de pessoas que sabem o que dizem, credibilizadas pelo mercado, amanhã se morrer poderá ainda tornar-se mais complicado.

Porque para todos os efeitos a perda do "pai" de um projecto destes é sempre um desafio à sobrevivência do mesmo, mesmo quando este tem uma dimensão considerável, veja-se por exemplo o caso da IKEA ou de muitas outras empresas, em que o "pai" tomou inúmeras medidas para que isso não acontecesse, muitas deles não foram por motivos financeiros. Ou muitos casos, em que a sua partida causou disputas pelo poder que tudo destruiram.

Mas não se assustem por enquanto os prognósticos da minha doença são bastante bons e não me deram nenhuma estimativa de tempo de vida, antes pelo contrário, mas a percentagem por mais diminuta que seja está lá, e pelo menos a mim serviu-me para despertar.

Salto da cama cheio de vontade de trabalhar, sinto-me bem, estou bem, continuo a lutar, o cancro está cá, é mais uma luta, estou cheio de força, vamos embora, vamos lá vencer estas batalhas. Este é o espírito com que enfrento a minha vida agora.

E gostava que todos vocês também encarassem as vossas batalhas com pelo menos a força que eu encaro, se conseguirem mais ainda, força nisso, mas pessoal toca a lutar, não se deixem controlar por coisas que vocês se recusam a compreender.

Eu sei que também me ajudou muito, as palavras de muitos amigos meus, que percebendo o significado do Strengh and Honour, me souberam tocar nos pontos certos e nem precisaram de falar muito. A todos um grande obrigado.

Só fazer aqui duas resalvas.

A primeira é que não me cabe a mim dizer o que fazer com o dinheiro que custa o meu tratamento, logo tive a sorte ou o azar de não ser eu a decidir isso. Porque me impõe mais responsabilidades. Se bem que nada implicaria que fosse bem empregue, mas essa é outra história.

A segunda é que dar dinheiro a organizações nem sempre é boa ideia, porque muitas vezes a forma como são geridas fazem com que o nosso dinheiro seja na verdade mal empregue.

Por exemplo, a responsável do Banco Alimentar de luta contra a fome, admitiu que de facto têm trabalhado com as organizações de solidariedade para se conseguir fazer mais com menos, e que de facto têm conseguido, quando pressionada por uma jornalista.

Este é o exemplo mais light e menos polémico que consigo dar sem correr o risco de arranjar atritos, até porque amanhã até gostaria de ajudar algumas dessas organizações a mudar.

Peço desculpa por ter sido tão longo, sei que poucos serão os corajosos que o fizeram, a todos espero que o que partilhei convosco um dia vos ajude nalguma coisa.

06 junho 2008

Aniversário

Hoje faço 29 anos, mas não estou a falar nisso para me darem os parabéns, até porque nem faço grande questão disso.

Simplesmente, porque achei que era altura de publicamente assumir, o que parte dos meus amigos já sabem.

Pois é, foi-me detectado um cancro, um linfoma de hodgkin. Tive sorte, porque pelo vistos apanhei um dos tipos de cancro mais fáceis de tratar (70% de probabilidade de sobrevivência).

Em breve vou iniciar os seis meses de quimioterapia e depois vou terminar em grande com radioterapia.

Estou muito optimista que irá correr tudo bem.

Mas devido às perturbações causadas pela doença não vou estar disponível para vos melgar com posts enormes neste blog :D

Um grande abraço a todos!

03 junho 2008

Onde é que andam os pais destas crianças

Eu gostava de saber onde é que andam os pais destas crianças. não só neste momento, porque segundo me informaram não é seguro para as crianças estarem sozinhas no recinto, nem à volta dele, como em toda a vida das crianças. Porque efectivamente, nada há mais a dizer que falharam redondamente, provavelmente por estarem demasiado ocupados a ver futebol ou novelas.



Alguém ousa discordar?

Os motivos podem ser outros e geralmente são, mas a verdade é que todos têm tempo para o futebol e para as novelas, por isso nada de ficarem escamados a fazerem-se de mal entendidos.