15 agosto 2016

Uma visão pragmática do amor

O que é o amor?

Após inúmeras conversas, até com colegas de ginásio, contra a visão de amor como complemento, em que o outro serve apenas para complementar e não completar, em que primeiro está o eu e depois o outro…

Resolvi então tentar resumir os pontos principais, embora seja de saúdar como tantas pessoas diferentes, consideram importante debater o tema, numa sociedade em que é cada vez mais relegado para segundo plano.

O problema começa com a utilização indiscriminada de amor, usa-se amor para tudo e mais alguma coisa, a utilização mais preocupante é utilizar amor quando na realidade estamos a falar de posse.
Depois agrava-se com a defesa que em primeiro lugar deve estar o próprio e só depois o objecto amado, que deve ser apenas um complemento e nada mais.


Mas afinal o que é o amor?

No entanto ainda existe um consenso escondido sobre o que é o amor, que é o que supostamente deve ligar os pais aos filhos.

Se pais se colocam em primeiro lugar face aos seus filhos, se os sacrificariam, se não se sacrificariam por eles, ou sacrificariam um pelo outro, a sociedade até vai mais longe argumentando que nem devem ser chamados de pais, quanto mais dizer que amam os seus filhos.

Por isso por enquanto, a sociedade ainda sabe uma coisa simples acerca do amor, o amor não é acerca do próprio, mas acerca do objecto amado, ou seja, quando se ama, não é a própria pessoa que importa, mas sim o objecto desse amor.

E esse amor pode ser dirigido a outras pessoas, a objectos, à sociedade, ao próximo, a Deus, aquilo que a pessoa escolher amar.

Por isso, se não é altruísta, se se espera algo em troca, não é amor, é negócio.
Se o objecto desse amor, é digno ou merecedor desse amor, é um assunto à parte.


O amor não é só o amor romântico

O amor supostamente deve ser a coisa que deve ligar as pessoas umas às outras, seja família, sejam até mesmo amigos, etc. Quando entre amigos não existe amor, não existe amizade e é fácil de perceber.

A definição de amizade que eu considero válida é uma que diz que somos amigos de alguém quando aquilo que lhe acontece, sentimos como se fosse connosco.

Por negação é fácil de ver, ora se sacrificarmos os nossos amigos, e não nos sacrificarmos por eles, que raio de amigos somos? ;)

Na verdade, com os nossos amigos, não sentimos como se fosse connosco, connosco nós sabemos o que se passa, o que sentimos, mas com os nossos amigos temos sempre de assumir o pior, pois são nesses casos quando mais precisam de nós.

Por isso sim, a amizade implica a presença de amor, nós é que temos muitos conhecidos, colegas, usamos a palavra amigos para tudo e mais alguma coisa, mas amigos temos todos muito poucos.


O amor é uma coisa boa?

Sim, na verdade não só é uma coisa maravilhosa, como até é uma coisa extremamente poderosa, porque de um modo geral, uma pessoa em prol do que ama está disposta a ir muito mais longe do que está disposta a ir em prol de si própria.

Esta é uma verdade simples, reconhecida há milhares de anos, e amplamente utilizada quer para fins militares, quer policiais.

Pode surpreender de início, mas se começarmos a pensar na formação militar, no amor à pátria, à família, aos camaradas, na forma como são tratados pelos instrutores para se unirem, etc, a expressão de irmãos de armas não é fruto do acaso, mas sim de uma estratégia militar simples que utiliza o amor como uma forma de tornar os seus soldados mais eficazes.

Mas a ideia não é simplesmente levar o soldado a ir muito mais longe do que iria por si próprio, é também desviar o foco dele próprio, do seu medo de morrer, de falhar, para a protecção dos camaradas, para a missão que têm a executar.
Assim, quando vão para o terreno confiam que os seus camaradas os vão proteger e o seu foco é protegê-los e fazem-no instintivamente, atirando-se para cima de granadas, se a situação o exigir.

Em Esparta por exemplo, uma das maiores desonras era perder o escudo, porque o escudo era utilizado para proteger o colega do lado, já o elmo era apenas para protecção pessoal e não tinha essa relevância.

É por isso que até nas forças policiais há um esforço de estabilidade em termos de parceiros e treino nesse sentido, para que se protejam uns aos outros.
Quando um militar ou um polícia não respeita isto, ninguém quer ir para o terreno com eles.

Claro que estamos a falar de um amor fruto de um condicionamento psicológico e não algo propriamente voluntário e espontâneo, mas estão lá as componentes práticas nos comportamentos adquiridos.

No dia a dia, o amor só é uma coisa boa quando a pessoa que se ama é digna e merecedora desse amor, mas poderá ser muito doloroso de suportar se não for correspondido.
Nota: estou a falar de amor genericamente, não de amor romântico.

Por exemplo, duas pessoas dignas e merecedoras, mas a amizade é apenas num sentido, ou seja no outro sentido, existe uma interpretação subjacente dessa pessoa que leva a que não seja considerada amiga, a qual depois também promove a que todos os seus comportamentos sejam mal interpretados e como é óbvio isto magoa, não porque esperasse algo em troca.


A espiral ascendente

Vejamos então, o topo, o maravilhoso, o mais poderoso, o amor correspondido, a famosa espiral ascendente. :)
Nota: novamente isto aplica-se ao amor genericamente, entre pais e filhos, amigos, etc.

A espiral ascendente é quando duas ou mais pessoas têm uma interacção positiva, em que se puxam umas às outras para cima, no sentido de atingirem os seus objectivos, ascendendo em conjunto.

Pega na ideia base, uma pessoa que ama, coloca a outra em primeiro lugar, preocupa-se mais e está disposta a fazer mais por ela, do que ela própria, assim, vai levar mais a sério a vida da outra pessoa que ela própria levaria.

Ora quando isto é cruzado, a outra pessoa depois retribui fazendo o mesmo, puxando também pela outra pessoa, mais do que ela própria estaria disposta a fazer.

Assim, uma faz a outra ascender, a outra retribui fazendo a ascender e o ciclo vai-se repetindo.

Nota: Preocupar-se com o outro, não é dominar a vida do outro, isto novamente não é amor, mas posse.

Por mais estranho que possa parecer, isto é visto como normal na forma como os pais encaram os filhos, no entanto é assustador para filhos que tiveram pais um pouco mais possessivos ou excessivamente protectores, mas o que temem não é amor, mas posse.
No amor, não há condicionamento, não há ordens, não há imposições, não há controlo, mas sim inter-ajuda, mão no ombro, apoio, compreensão, valorização, etc.

Sim, basicamente a estratégia militar.

Obviamente que o amor romântico é algo que só pode crescer em cima disto, se isto não existe, não existe amor, quanto mais romântico.


O amor é uma coisa perigosa?

Sim, começando no exemplo militar, quando um soldado protege o colega, mas o colega não o protege a ele, está exposto e obviamente em risco.

Na realidade do dia a dia a situação é muito semelhante, pode é ser mais fácil de passar despercebida, mas no fundo, quando quando uma pessoa ama, mas não é amada de volta, basicamente deixa de existir.
Ou seja, uma pessoa no fundo só existe se for amada, ou se quisermos, são as pessoas que nos amam que nos dão existência, é engraçado dizer isto.
Mas são inúmeras as frases célebres que o dizem, nomeadamente “Nenhum homem é uma ilha” de John Donne.

A explicação é simples, ao amar, a pessoa coloca a outra em primeiro lugar, a outra não amando, aproveita-se disso e como não a ama, está-se a borrifar, pelo que há a tendência até de promover que a outra se esqueça cada vez mais de si própria.
O machismo é um excelente exemplo disso, tal como pais que tratam os filhos como criados, entre muitos outros...

Por isso, eu compreendo completamente quando os psicólogos criticam abertamente o amor, é tão raro que seja correspondido, que coloca um risco tão grande, que é preferível convencer as pessoas a não amar.

A primeira vez que uma psicóloga me disse que era uma ilusão que os relacionamentos tivessem alguma coisa a ver com o amor, confesso que foi um choque, contra tudo o que acreditava.

Mas comecei a prestar atenção e percebi que era essa a realidade, pior ainda, a maior parte dos casais que conhecia nem sequer eram felizes ou um era às custas de um deles que se sacrificando, não existia.
E nem sequer escondiam, percebia-se em muitos a sinceridade, quando admitiam abertamente quando diziam que os filhos eram a melhor coisa que lhes tinha acontecido, que viviam apenas para os filhos e mais nada


Em que ficamos deve-se amar ou não?

Os militares diriam que é assim que se ganham as batalhas.
E eu responderia “um soldado tem a vantagem de conseguir olhar o seu inimigo nos olhos”, no dia a dia as coisas são, digamos, mais flexíveis.

Quando se forma uma espiral ascendente, eu diria que sim, já vi coisas maravilhosas, pessoas tornarem-se coisas que nunca pensaram que poderiam ser, e era apenas amizade.
Penso que todos conhecemos casos.

Grosso modo, a maior parte dos casos que conheço são espirais descendentes, em que pelo menos uma dela deixa de existir.

Depois é muito fácil separar pessoas que se amam, basta um pequeno grão de areia que leve a uma ruptura, nem precisa de ser verdade, o sofrimento é tal que ambos ficam incapazes de lidar com o assunto. Um magoado pela mentira, o outro por não ser acreditado.

Na posse, a vontade do outro, o sofrimento do outro não importam, como tal a pessoa vai insistir até o outro ceder, mentir, fazer de conta que é outra pessoa etc.
No amor, a pessoa apresenta-se tal como é, a sua maior preocupação é não magoar o outro, respeitar a sua vontade, pelo que vai sofrer em silêncio.

Por isso é que nas histórias de amor, tal como na realidade, salvo excepções, se não existir algo ou alguém que as junte uma vez separadas, é improvável que fiquem juntas e mesmo assim...

Então quando ainda mal se conhecem ou apenas começaram a ter a percepção um do outro, é das coisas mais fáceis, porque a insegurança de ambos está ao rubro e depois encarrega-se de pegar nesse grão de areia e construir uma barreira.


Porquê tanta confusão sobre o que é o amor?

Na verdade, a maior parte das pessoas não quer amar, mas quer ser amada, e é fácil de perceber porquê.

Em primeiro lugar, amar dá trabalho, preocupações, dá poder à pessoa que amamos para nos magoar, é um ponto fraco, trás preocupações adicionais, implica disponível para o outro, etc, etc.

Pelo que é muito fácil perceber a visão amor como complemento, simplesmente não se está para isso, para dar, mas está para se receber. Ou seja, se o outro interessar excelente, se der trabalho azar. Se esta visão pega, vamos ter muitos pais a dar os filhos para a adopção.


O problema da confusão com a posse

Quando a pessoa não ama, o sentimento que gera por quem a ama é posse.
Frases como por exemplo, “luta por ela” são posse, não se conquista o amor, não se impõe ao outro, não se cansa o outro até conseguir o seu amor, o amor ou surge espontâneamente ou não é amor.

Abundam centenas de frases feitas, armadas em indicadores da presença de amor, que na realidade são indicadores de posse, normalmente começam com “se te ama então”, o triste é que na esmagadora maioria dos casos, se amar mesmo vai fazer exatamente o oposto ou pelo menos o que a frase diz, não de certeza. Salvo excepções, se ama, vai fazer o que pedes.

Existe então uma frase que têm circulado muito, com muitas variações, mas que a base é esta “as pessoas que gostam de nós, arranjam sempre maneira de ficar nas nossas vidas”, só que não é verdade.

Qualquer pessoa que goste de nós, se a fizermos sentir que a queremos fora das nossas vidas, ela vai embora.
Ela só vai ficar se por qualquer motivo não poder ir, mas se ela nos amar mesmo, ela vai-se arranjar maneira e assim que puder vai, por mais que lhe doa, ela vai.

Isto é particularmente importante porque é assim que nós expulsamos das nossas vidas as pessoas que devíamos manter...


Conclusão

O amor é uma coisa muito poderosa, mas não é para todos, para alguns terá de bastar encontrarem alguém digno e merecedor, outros nunca saberão o que é amar.

E ser amado? No amor o que importa é quem se ama.

Então e a espiral ascendente? A única coisa que podemos fazer é amar alguém digno e merecedor, corresponder é algo que pertence ao outro, temos de respeitar a sua vontade e o espaço que nos dá na sua vida.

O exemplo dos pais e dos filhos, ajuda a compreender, porque felizmente, tem sido poupado a esta desinformação de uma sociedade que apela ao narcisismo, a que se use o outro.
Simples e escondido à frente dos olhos. :)

#Love :D

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